"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos." Charles Chaplin

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

"Nunca penso no futuro, ele chega rápido demais." ( Albert Einstein )

Em meio à prateleiras de vidros, armações de óculos e o eco de vários relógios com seus pêndalos realizando algum movimento chato que uma vez eu estudara em física - TIC TAC, TIC TAC, TIC TAC -, eu ainda tentava entender o motivo de ter entrato ali.
Sim, lá fora a chuva castigavam as árvores agora peladas - era outono -, mas eu já estava encharcada, e isso não servia de desculpa. Ah, tinha também o fato de que estava sem dinheiro! Então, o que eu fui fazer dentro daquela loja? Depois de alguns anos eu diria que foi o destino, o destino que fez eu decidir se fora sorte ou azar eu não ter dado meia volta quando uma cliente me encarou de baixo à cima.
Pois é, meu cabelo curto e negro estava grudado em meu rosto, meu longo vestido preto com babados de renda pingavam e sua barra estava suja de lama. É, eu devia ter dado o fora! E eu tive certeza disso quando o meu ex-marido, ou melhor, ex-noivo veio pela porta de funcionários me atender.
Bom, acho que ele não ficou tão espantado ao me ver como eu fiquei, pois ele deu aquele sorriso idiota e o meu coração parou de bater por um instante, eu juro. Ele parecia até... feliz.
- O que você deseja? - ele perguntou de trás do balcão. Não me mechi. Ele estava brincando comigo enquanto deveria, sei lá, jogar aquele enorme relógio de madeira em mim, ou talvez aquele arranjo de vidro.
Dês de quando ele estava aqui? E porquê? Seus olhos cor de âmbar me fitavam, e eu vi como ele estava bonito, e tudo isso me levou àquele dia.
- E-eu não sei - droga, odeio gaguejar.
Ele parecia estar se divertindo, eu precisava inventar algo.
- Estava fugindo da chuva.
- Você sempre gostou de andar na chuva, você falava que era ótimo para pensar. Você sabia que eu estava aqui.
Meu coração deu um pulo, ele ainda lembrava disso, minhas mãos começaram a formigar e eu tive uma leve tontura, mas aah como eu queria ter sabido que ele estava aqui, aí eu NUNCA teria entrado nessa loja. Tomando coragem eu fui até o balcão e o encarei. Ele estava alto.
- O que você quer Mike? Por que você está aqui? - fiquei feliz por a minha voz ter saído firme.
Ele pareceu relutar. Naquele momento a cliente foi até o balcão, e ele conseguiu se recompor, dando o troco à senhora, ela saiu. Agora ele me olhava com o que parecia ser compaixão, alívio talvez?
- Eu falei que tudo ia dar certo, olhe para você, você...
Ele perdeu a voz e seus olhos agora estavam marejados. Eu dei um passo para trás, pois acreditava que se ficasse ali por mais um minuto eu desmaiaria. Agora todo o meu corpo formigava e o meu coração doía, doía relembrando uma decisão que tomei à 3 anos atrás, quando fuji deixando-o me esperando no altar. Tentei lembrar como se respirava.
Então era isso? Ele veio me ver? Ou melhor... eu o encarei, a raiva fazendo meu rosto esquentar, então gritei.
- Você veio ver se eu ainda estava viva?
Ele empalideceu, e o seu silêncio foi o que bastou para eu ter minha resposta.
- Não, eu não...
- "Olhe para você" - eu gritei, imitando sua voz - Eu estou viva, satisfeito? Mas os médicos me deram apenas um ano. Abaixei a voz, minhas mãos tremiam e eu percebi que chorava descontroladamente. Eu não podia me casar com você, eu deveria ter te contado do câncer, mas é que eu não queria... eu, eu, parecia egoísmo da minha parte pegar você para mim, para depois fazê-lo sofrer.
Respirei fundo e o meu pulmão rangeu. Ele veio ao meu lado e me abraçou, e bom, aquilo era ótimo, parecia tão certo e tão errado. Mas não me importei com as minhas roupas molhadas, me concentrei em sua colônia, em seus braços em volta de mim.
- Não estou bravo com você, você teve que ser forte.
TIC TAC, TIC TAC.
- O verdadeiro motivo de eu ter vindo para cá? É, bom, deixe-me fazer parte desse seu último ano.
Eu fechei os olhos com força. Encostada em seu peito eu podia ouvir seu coração acelerado, e eu sabia qual era a resposta certa, e essa era "vá embora".
Afastei-me e relutante peguei em sua enorme mão. Seus olhos piscavam, ansiosos, e enquanto eu dizia "fique", pude sentir o meu coração se aquecendo, transbordando de alegria.
Queria dizer que naquele momento ele me beijou, mas não foi isso o que aconteceu. Ele fez parte de todos os meus últimos 315 dias de vida, e por várias semanas ficava comigo na cama do hospital conversando, de noite, de dia. Michael Balle transformou os dias que eram para serem os mais horríveis da minha vida nos melhores. Ele me amou cada segundo restante e respeitou meus sentimentos, e eu morri do lado do homem que eu amava, que foi o meu melhor amigo nesse ano.
Ter entrado naquela loja, naquele dia de outono, foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida.

Para Amanda Souza

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