"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos." Charles Chaplin

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

MEGÉROS, EXPECTROS E FLORES EXÓTICAS

Ele realmente odiava quem o tirasse de sua rotina e muito mais quando ouvia os Megéros conversando sobre a possível origem de seu problema: quando este, sozinho no quintal, caiu na piscina e afogou-se.
     Na verdade, quem fazia sua rotina era o próprio, mas é claro, as vezes Mégima chegava com sua voz aveludade e seu perfurme de flores exóticas, e o persuadia a obedecê-la: jogar o lixo na rua, comer, tomar banho e as tarefas. E é claro, toda manhã sua voz era rouca e grossa, seus olhos enormes e seus braços, compridos, que o tiravam à força da cama, enquanto um "pipipipipi, pipipipipi..." repetia-se enojamente em sua cabeça, atrapalhando seus sentidos e fazendo-o ceder à Mégima. 
     Bruno, garoto de 11 anos, que agora preferia ser chamado de Éxpeqüi, O exterminador, mudara completamente depois do acidente. Na porta ele colou cartazes  para o "deicharem" em paz, escritos e pintados com cores vivas, ameaçadoras. Lá dentro ele mantinha a cama e o guarda roupa organizados, mas haviam revistas com material estranhos espalhados por todo o chão, desenhos de seres com garras e olhos vermelhos colados nas paredes. Seu telescópio não apontava para o céu e sim para o vizinho. 
     Mégima e Magto entravam em seu quarto quando ele estava na escola, e começaram a achar aquilo mais grave do que uma "cride de identidade". Certa manhã eles acharam uma folha com codinomes para todos da família.
     Éxpqüi tinha um segredo, um grande e sério segredo, o qual ele não anotara nem em seu diário de bolso, o qual ele levava para todos os cantos. Em seu quarto ele estudava os seres de nossos planetas, aqueles que se escondiam atrás de máscaras, não estou falando dos estúpidos dos Megéros, e sim dos ETs, fantasmas, que se fantasiavam de animais de estimação, aves em extinção, tudo isso com a ajuda de Farrytom, que dormia e vivia escondido em baixo de sua cama.
    Farrytom tinha 1,50m, rua raça era conhecida por ser inteligente e sábia, e podia parecer ameaçador, mas era muito dócil. Seus pelos eram grossos e compridos, e dum tom de azul, mas na barriga estes eram marrom. Farry e Éxpeqüi eram melhores amigo e tinham um lema: "Cuidado, expectros também mordem!" De certa forma, isso fazia sentido para eles.
     A forma como se conheceram é outra história, e agora, camuflados em meio a tantos Megeros, ambos fizeram uma enorme descoberta, e da cozinha seus pais escutaram-no gritar "Farrytom" em meio à urras de alegria e risadas. 
     - Pensei que ele tinha perdido todos os seus bichos de pelúcia - disse a mãe, com sua voz aveludade e seu perfume de flores exóticas. 

"Nunca penso no futuro, ele chega rápido demais." ( Albert Einstein )

Em meio à prateleiras de vidros, armações de óculos e o eco de vários relógios com seus pêndalos realizando algum movimento chato que uma vez eu estudara em física - TIC TAC, TIC TAC, TIC TAC -, eu ainda tentava entender o motivo de ter entrato ali.
Sim, lá fora a chuva castigavam as árvores agora peladas - era outono -, mas eu já estava encharcada, e isso não servia de desculpa. Ah, tinha também o fato de que estava sem dinheiro! Então, o que eu fui fazer dentro daquela loja? Depois de alguns anos eu diria que foi o destino, o destino que fez eu decidir se fora sorte ou azar eu não ter dado meia volta quando uma cliente me encarou de baixo à cima.
Pois é, meu cabelo curto e negro estava grudado em meu rosto, meu longo vestido preto com babados de renda pingavam e sua barra estava suja de lama. É, eu devia ter dado o fora! E eu tive certeza disso quando o meu ex-marido, ou melhor, ex-noivo veio pela porta de funcionários me atender.
Bom, acho que ele não ficou tão espantado ao me ver como eu fiquei, pois ele deu aquele sorriso idiota e o meu coração parou de bater por um instante, eu juro. Ele parecia até... feliz.
- O que você deseja? - ele perguntou de trás do balcão. Não me mechi. Ele estava brincando comigo enquanto deveria, sei lá, jogar aquele enorme relógio de madeira em mim, ou talvez aquele arranjo de vidro.
Dês de quando ele estava aqui? E porquê? Seus olhos cor de âmbar me fitavam, e eu vi como ele estava bonito, e tudo isso me levou àquele dia.
- E-eu não sei - droga, odeio gaguejar.
Ele parecia estar se divertindo, eu precisava inventar algo.
- Estava fugindo da chuva.
- Você sempre gostou de andar na chuva, você falava que era ótimo para pensar. Você sabia que eu estava aqui.
Meu coração deu um pulo, ele ainda lembrava disso, minhas mãos começaram a formigar e eu tive uma leve tontura, mas aah como eu queria ter sabido que ele estava aqui, aí eu NUNCA teria entrado nessa loja. Tomando coragem eu fui até o balcão e o encarei. Ele estava alto.
- O que você quer Mike? Por que você está aqui? - fiquei feliz por a minha voz ter saído firme.
Ele pareceu relutar. Naquele momento a cliente foi até o balcão, e ele conseguiu se recompor, dando o troco à senhora, ela saiu. Agora ele me olhava com o que parecia ser compaixão, alívio talvez?
- Eu falei que tudo ia dar certo, olhe para você, você...
Ele perdeu a voz e seus olhos agora estavam marejados. Eu dei um passo para trás, pois acreditava que se ficasse ali por mais um minuto eu desmaiaria. Agora todo o meu corpo formigava e o meu coração doía, doía relembrando uma decisão que tomei à 3 anos atrás, quando fuji deixando-o me esperando no altar. Tentei lembrar como se respirava.
Então era isso? Ele veio me ver? Ou melhor... eu o encarei, a raiva fazendo meu rosto esquentar, então gritei.
- Você veio ver se eu ainda estava viva?
Ele empalideceu, e o seu silêncio foi o que bastou para eu ter minha resposta.
- Não, eu não...
- "Olhe para você" - eu gritei, imitando sua voz - Eu estou viva, satisfeito? Mas os médicos me deram apenas um ano. Abaixei a voz, minhas mãos tremiam e eu percebi que chorava descontroladamente. Eu não podia me casar com você, eu deveria ter te contado do câncer, mas é que eu não queria... eu, eu, parecia egoísmo da minha parte pegar você para mim, para depois fazê-lo sofrer.
Respirei fundo e o meu pulmão rangeu. Ele veio ao meu lado e me abraçou, e bom, aquilo era ótimo, parecia tão certo e tão errado. Mas não me importei com as minhas roupas molhadas, me concentrei em sua colônia, em seus braços em volta de mim.
- Não estou bravo com você, você teve que ser forte.
TIC TAC, TIC TAC.
- O verdadeiro motivo de eu ter vindo para cá? É, bom, deixe-me fazer parte desse seu último ano.
Eu fechei os olhos com força. Encostada em seu peito eu podia ouvir seu coração acelerado, e eu sabia qual era a resposta certa, e essa era "vá embora".
Afastei-me e relutante peguei em sua enorme mão. Seus olhos piscavam, ansiosos, e enquanto eu dizia "fique", pude sentir o meu coração se aquecendo, transbordando de alegria.
Queria dizer que naquele momento ele me beijou, mas não foi isso o que aconteceu. Ele fez parte de todos os meus últimos 315 dias de vida, e por várias semanas ficava comigo na cama do hospital conversando, de noite, de dia. Michael Balle transformou os dias que eram para serem os mais horríveis da minha vida nos melhores. Ele me amou cada segundo restante e respeitou meus sentimentos, e eu morri do lado do homem que eu amava, que foi o meu melhor amigo nesse ano.
Ter entrado naquela loja, naquele dia de outono, foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida.

Para Amanda Souza

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Proposital

Foi em meio ao caos, gritaria, estalidos, sirenes e calor que Michele acordou. Seus olhos pareciam estar colados um no outros e sentia dor em cada extremidade de seu corpo. Ela tentou mexer o braço, mas ele parecia muito pesado. Podia sentir algo tocando o seu abdômen e algo pressionando seu braço, era gelado. Ela tentou falar, mas se surpreendeu com o gemido de dor que deixou escapar.
“Concentre-se”, ela se repreendeu. Parecia agora estar em movimento, e estava deita. Barulho. Ela não conseguia entender. As conversas, antes no fundo, parecendo o barulho de uma cachoeira, agora estavam altas. Gritos e sussurros. Choros? Sim, uma criança talvez. Michele se desesperou. Os olhos ainda pesados se recusavam a abrir e um acesso de tosse a fez balançar. Foi aih que sentiu a dor na garganta. Estava áspera e parecia que tinha comido areia. Ela ofegou, engasgando em seguida. Algo a tocou na testa.
- Ela não está com febre, talvez seja melhor deixá-la aqui! – quem era?
- Não! – era um homem agora e o movimento parou.
- O que você precisa? – Uma mulher, sua voz estava rouca.
Varias coisas a tocavam agora.
- Curativos, água, talvez...
- O de sempre! – a mulher o interrompeu.
Algo massageou sua perna e o que parecia ser um gel amenizou a dor em seu braço.
- Você está certo. A perna não está quebrada, e as queimaduras não estão tão feias.
Como uma chave abre uma fechadura, as lembranças de ultima noite tiraram seu fôlego. Lembrou do fogo subindo as cortinas, do calor, da escada desabando. Ela estava com sua irmã no colo quando o teto desabou. Lembrou também de sua mãe gritando para ela correr, seu rosto suado e sujo de cinzas estava sereno. Ela estava caída no chão com seu marido no colo, cercada pelo fogo. Ele não se mexia. Lembrou do desespero e da duvida de ficar e salvar sua mãe ou salvar sua irmã. Ela abriu os olhos e gritou. Varias mãos tentaram a segurar no que agora entendeu que era uma maca, mas não. Ela queria ver. Queria ver se tinha conseguido. Talvez salvaram sua mãe também.
- Me soltem! – ela gritou ferozmente, balançando as pernas e pulando no asfalto.
Com os olhos embaçados ela saiu correndo em direção ao fogo, suas pernas doíam e os braços queimavam. Parecia também que havia pregos em sua garganta. Ela ignorou os policiais e pulou a fita que cercava seu jardim. Alguns bombeiros a viram e começaram a correr em sua direção, mas então, como se recebesse um chute em seu estômago ela parou e escorregou na grama, ofegando, vendo sua casa desabar e o fogo consumi-la. Então ficou ali, caída. Os que a seguiam estavam em sua volta, parados, dando-a privacidade, como se fosse possível. Ela se encolheu na grama e segurou as pernas. O choro e o soluço eram altos e intercalados por gemidos.
O tempo passou, ou não, e os soluços começaram a cessar. Ela tinha varias perguntas.
- Michele? – Ela ignorou. Michele nós precisamos conversar.
Era uma voz desconhecida, grave e forte. Com certa relutância a jovem abriu os olhos e viu um policial com a mão estendida. Ela estendeu a sua e levantou. Junto vieram as dores, com mais outra. Agora havia um buraco muito fundo em seu peito, que tornava difícil respirar, e vinha junto com a realidade que ela fracassara, estava sozinha. Ele a esperou pacientemente e a conduziu para fora do caos. Ela sentou em uma maca e ele encostou-se no carro. No curto caminho Michele ignorou os rostos conhecidos.
- Você é uma garota corajosa! – Ela o olhou, irada. – Os bombeiros a encontraram desmaiada no telhado, o que resistiu ao fogo, abraçada a sua irmã.
Ela o encarou. Seu coração disparou e o buraco aumentou, fazendo-a prender a respiração. Ela fitou o policial falar em seu walk talk e quando se deu conta, estava abraçada com sua irmã, reconfortando-a. Suas sobrancelhas estavam queimadas e seu curto cabelo também, seu braço arranhado, mas ela estava viva. Julia repetia a frase “eu te amo” e “você está aqui” em seu ouvido. Tão frágil. Ela tinha apenas 3 anos.
- Você tem a guarda dela – o policial continuou – por ter 18 anos. Ela sorriu para o homem.
- Obrigado! – foi tudo o que conseguiu dizer.
Agora ele parecia desconfortável.
- Chamamos sua tia e amanha podemos conversar com mais calma. Voce tem que descansar.
Ela se levantou, queria ir embora. Podia sentir o aperto, o buraco, mais intenso e forte do que antes. Havia tantas coisas para resolver. Seus pais não estavam mais ali. Ela abraçou mais forte a pequena Julia e esta correspondeu. Esta estava apoiada bem em sua queimadura, mas não se importava.
- Espere, tem algo que preciso lhe contar. – Ela o encarou, seus olhos negros agora sérios, provocaram um arrepio em seu corpo, sentiu medo. – O incêndio não foi acidente, foi proposital.
Ela fechou os olhos, inconformada, e o olhou novamente, quem faria isso com eles? Ela recuou assustada. Ela sentiu medo, e uma raiva que pode sentir em todos os seus membros, e como se Michele não tivesse entendido o que o policial dissera, ele repetiu.
- Alguém armou para vocês! 

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Nolstalgia


          Olhando pela janela não pude conter as lágrimas, e ao mesmo tempo que senti saudades eu me senti uma idiota.

Com o tempo as marcas das rodas dos carrinhos de rolimã começaram a sumir do asfalto negro e os dias, principalmente as noites, começaram a ficar silenciosas, sem gritos e risadas, sem canções nem o som da bola batendo no chão se escuta agora.
As coisas mudaram, não porque quisemos, mas simplesmente aconteceu. Agora não brincamos mais de esconde-esconde muito menos de polícia e ladrão. Não fechamos mais a rua para a Festa Junina e até os machucados diminuíram.
Não sei se posso por a culpa em nossa idade, agora mais avançada, ou no mundo que agora mudou. Mas estou certa de que sinto falta desses dias em que pulava corda com minhas amigas, jogava ‘béts e corria descalço até a esquina apostando corrida.
Tenho saudades de me sentar em baixo de um poste e com um pedaço de gesso ficar riscando a rua. Lembro-me de como era divertido brincar com bombinha ou colocar mamonas nos escapamentos dos carros e ficar escondida atrás de uma árvore esperando o dono dar partida.
Nunca imaginei que um dia tudo isso acabaria. Quero voltar no tempo e brincar na chuva ou pegar pombas machucadas para cuidar. Quero construir de novo uma casa na árvore ou tocar uma campainha e sair correndo.
Como era divertido brincar de “mãe da rua”, “elefante colorido”, “reloginho” e “pimball”. Amava andar de roller na rua ou brincar com minha vizinha na carriola do meu pai. Gostosas eram as noites em que caçávamos vaga lumes, explorávamos as datas vazias ou brincávamos no barro.
Era gostoso sentar na calçada e observar o movimento – que não tinha na minha rua. Nossa, como era divertido “batizar” os carros quando estes passavam: quando estávamos brincando com uma bola e um carro surgia na esquina, no momento em que ele passava nós jogávamos a bola por cima dele e começávamos a gritar.
É, estes são dias que não voltam mais e acho que foi por isso que eu me emocionei quando vi marcas de um carrinho de rolimã na Rua 11 de Março.